abril 21, 2020 16:42
Aline Guio Cavaca
Medidas de comunicação e educação em saúde têm sido uma inquietação constante na saúde pública há vários séculos. Como ação institucional, historicamente as propostas educativas vêm se organizando de diferentes formas, de acordo com o contexto sociopolítico de cada época e sociedade, desde as posturas coercitivas da polícia médica alemã, no século XVIII, até as propostas mais contemporâneas de diálogo horizontalizado entre profissionais de saúde e a população (DIAS, FERREIRA, 2015).
No Brasil, as práticas de comunicação e educação em saúde – tratadas de forma amalgamada – estão associadas à saúde pública desde as primeiras políticas públicas da área, entre 1900 e 1920. À época, as concepções de educação sanitária eram fortemente alicerçadas no higienismo – ideologia liberal centrada nas responsabilidades individuais e
formas de intervenção e prescrição de normas para prevenir doenças específicas (DIAS, FERREIRA, 2015; ARAÚJO, CARDOSO, 2007).
Contemporaneamente, os campos da comunicação e educação em saúde operam como interlocutores de conhecimentos e práticas, sendo um dos eixos de sustentação do modelo de promoção da saúde do Sistema Único de Saúde (SUS). Nessa perspectiva, conforme nos ensinam Araújo e Cardoso (2007), não se pode desvincular a comunicação e a educação de um projeto ético da sociedade que considere a comunicação como um processo contextual e relacional de produção de sentidos sociais e campo de disputas de poder simbólico, que, por sua vez, determina o poder de “[…] fazer ver e fazer crer, de confirmar ou transformar a visão de mundo” (BOURDIEU, 2002, p. 14). De modo semelhante, a educação não significa “transferir”, “depositar algo em alguém”, “persuadir”, mas sim proporcionar uma ação transformadora sobre a realidade, entendendo as situações plurais dos sujeitos em suas relações com o mundo (FREIRE, 2015). A este propósito, Valla (1999) nos ensina que a educação em saúde pressupõe uma comunicação dialógica e o incentivo à autonomia dos indivíduos, respeitando os saberes locais e fomentando práticas alternativas de saúde e o apoio social.
Paralelamente, vale destacar a relevância dos meios de comunicação de massa e das novas tecnologias de informação e comunicação (TIC) como insumos de Comunicação e Educação em Saúde, seja nos programas de promoção e prevenção, na veiculação de campanhas governamentais e na vigilância epidemiológica, seja na criação de pautas e proposição de debates públicos a respeito das políticas e problemas de saúde e do SUS (BUSS, 1999; VASCONCELLOS-SILVA et al., 2010; CAVACA et al., 2016).
É importante ressaltar, contudo, que a qualidade da informação midiatizada, a forma e o momento em que ela circula são definidores de seus impactos no cotidiano. De um lado, os veículos de massa podem promover esclarecimentos e mobilização popular a favor de um desfecho potencialmente favorável do evento; por outro, ao contrário, pode
gerar mais confusão e provocar alarmismo reativo (FRANÇA ABREU, SIQUEIRA, 2004; MALINVERNI, CUENCA, BRIGAGÃO, 2012).
Resumidamente, é importante endender que comunicar tem o sentido de “partilhar”, “por-se em comum”, sendo prática essencialmente relacional e contextual entre os sujeitos (ARAÚJO; CARDOSO, 2007). Tanto nos processos de cuidado quanto nos educativos, os profissionais de saúde estão em comunicação: estabelecem contato com a população, visando o levantamento e solução de algum problema. Dessa maneira, as
mensagens e estratégias de educação em saúde devem levar em conta as referências e referenciais da populção para interpretá-las (ROZEMBERG, 2012). Assim sendo, no campo da saúde, a comunicação e educação devem abordar questões salutares de interesse público, que visem garantir à sociedade informações relevantes, além de garantir espaços de interlocução entre os sujeitos e acesso à polifonia social.
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, I. S.; CARDOSO, J. M. Comunicação e saúde. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2007.
BOURDIEU, P. O poder simbólico. 5 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.
BUSS, P. M. Promoção e educação em saúde no âmbito da Escola de Governo em Saúde da Escola Nacional de Saúde Pública. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 15, Supl. 2, 1999.
CAVACA, A. G.; EMERICH, T. B.; VASCONCELLOS-SILVA, P. R.; SANTOS-NETO, E. T. D.;
OLIVEIRA, A. E. Diseases neglected by the media in Espírito Santo, Brazil in 2011–2012. PLoS Neglected Tropical Diseases, [s.l.], v. 10, n. 4, 2016.
DIAS, J. V. S.; FERREIRA, J. Contribuições da antropologia para o campo da educação em saúde no Brasil. Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v. 13, n. 2, p. 283-299, 2015.
FRANÇA, E.; ABREU, D.; SIQUEIRA, M. Epidemias de dengue e divulgação de informações pela imprensa. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 20, n. 5, p. 1334-1341, 2004.
FREIRE, P. Extensão ou comunicação? 17 ed. São Paulo: Paz e Terra, 2015.
MALINVERNI, C; CUENCA, A. M. B.; BRIGAGAO, J. I. M. Epidemia midiática: produção de sentidos e configuração social da febre amarela na cobertura jornalística, 2007-2008.
Physis: Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 22, n. 3, p. 853-872, 2012.
ROZEMBERG, B. Comunicação e participação em saúde. In: CAMPOS, G. W. S. (Org.). Tratado de saúde coletiva. 2 ed. São Paulo: Hucitec, 2012.
VALLA, V. V. Educação popular, saúde comunitária e apoio social numa conjuntura de globalização. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 15, supl. 2, p. 7-14, 1999.
VASCONCELLOS-SILVA, P. R., CASTIEL, L. D.; BAGRICHEVSKY, M.; GRIEP, R. H. As novas tecnologias da informação e o consumismo em saúde. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 26, n. 8, p. 1473-1482, 2010.
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