fevereiro 28, 2020 06:19
Neste post apresentamos os resultados da pesquisa bibliográfica que permitiu a criação de um instrumento de categorização com base nos 16 artigos encontrados na revisão integrativa, cuja conceituação e descrição metodológica foi apresentado no texto anterior. A partir do levantamento dos aspectos relevantes disponibilizados nos artigos, é possível indicar a abrangência do estudo e o escopo dos problemas identificados.
Com a leitura em profundidade dos textos e a extração dos problemas encontrados, foram criadas categorias em função de uma tipologia própria. Desta forma, os problemas foram divididos em conjuntos em função de sua natureza. Muito embora grande parte dos desafios encontrados não possa ser atribuída exclusivamente a uma só categoria, isto é, não podem ser considerados isoladamente, esta divisão indica predominância de um dos seguintes aspectos: 1) formação, 2) dimensão (inter)subjetiva, 3) organizacional e 4) estrutural.
Essas dimensões podem orientar profissionais e gestores na compreensão dos desafios para o trabalho interprofissional em saúde e na identificação de formas de promoção da colaboratividade. Assim, os resultados desta revisão de literatura apontam para questões no âmbito da formação profissional enquanto aspecto que influencia os demais problemas. Os principais desafios encontrados na formação se relacionam a estruturação dos cursos, a construção e operacionalização de currículos que desenvolvam atividades de caráter interprofissional e, como consequência dessas lacunas, o perfil do egresso, em que se mantém pouco próximo ao trabalho em equipe. Como consequência, os egressos deste sistema educacional apresentam restritas competências e valores necessários para a colaboração.
O campo dos problemas intersubjetivos pode ser associado a conhecimentos, habilidades e atitudes e representações sociais, mas também refere à comunicação e relação entre atores. Muitas vezes a falta de reconhecimento do potencial colaborativo e a não identificação do indivíduo com o modelo de cuidado que prioriza a escuta, o acolhimento e o vínculo dificultam o processo de comunicação do trabalho. Isto acaba mantendo as relações de poder entre os profissionais de saúde com o estabelecimento de hierarquias entre as categorias, e também dos profissionais para com os usuários e os familiares, que são vistos como meramente receptores da assistência.
Os aspectos da dimensão organizacional se relacionam à maneira como os processos de trabalho estão organizados, pelos profissionais ou gestão imediata, bem como o que tange ao modelo que atravessa e articula as práticas. Também entram nessa perspectiva a infraestrutura e as condições organizacionais, como a falta de recursos, de insumos, espaço físico, entre outros. A fragmentação do trabalho ainda hegemônica na formação profissional é claramente visualizada nos impasses organizacionais, pois as equipes não conseguem perceber-se como equipe e se sentem desresponsabilizadas pela organização do seu processo de trabalho.
Por fim, representando uma dimensão macro, foram considerados os desafios estruturais ligados à alta gestão do sistema e à regulação do estado. As questões trazidas neste enfoque constituem problemas fora da governabilidade dos profissionais, mas que de alguma forma sustentam as demais problemáticas. Sendo assim, fica evidenciado que os problemas referentes ao trabalho interprofissional são motivados por uma lógica ou cultura de não colaboração perpetuada em diferentes níveis e dimensões.
Ao constatar que a falta de senso crítico das equipes, aliada a ausência de sentimentos de colaboração, criam uma disputa de espaço no trabalho coletivo, em que as atribuições são definidas e limitadas a um processo mecânico e inflexível de trabalho, formando uma falsa convicção que todos os problemas enfrentados pela equipe não estão sobre sua governabilidade. Entretanto, existem diferentes níveis de problemas. E, de acordo com os achados neste trabalho, a maioria está presente no âmbito organizacional e interacional, isto é, situações mais próximas do controle das equipes e da gestão local. A distância entre o discurso e a prática do trabalho e da gestão no alinhamento das concepções de um ambiente favorável ao trabalho interprofissional são reflexos dessa sensação de falta de espaço para a colaboração.
Pode-se dizer que os desafios para a realização do trabalho inteprofissional refletem um círculo vicioso, que começa na formação do profissional e perpetua na prática, na gestão e na estrutura do sistema de saúde. Mesmo que as políticas estabeleçam os princípios e as diretrizes orientadoras do trabalho em “equipe integração”, esta transformação dificilmente se concretizará numa educação interprofissional, imprescindível para o desenvolvimento de competências e valores que propiciam e fortalecem a prática colaborativa. Sem isto é grande a tendência de o trabalho continuar no formato “equipe agrupamento”, ou seja, preso ao modelo tradicional de educação.
Este é o segundo post relacionado ao assunto “Trabalho interprofissional em saúde”. Para ler sobre os aspectos conceituais e metodológicos que fundamentam o levantamento de problemas e desafios da colaboração em saúde inerente ao trabalho interprofissional, clique aqui.
Este é um texto de divulgação científica que adota uma estética jornalística. Foi editado e produzido por Juliana Vargas com o objetivo de divulgar uma pesquisa acadêmica realizada por Argus Tenorio Pinto de Oliveira e Evelyn de Britto Dutra, orientados por Francini Lube Guizardi, no âmbito do Projeto Avaliação e prospecção de tecnologias web para a Educação Permanente em Saúde.
Mar Aberto fevereiro 28, 2020 06:19