As categorias relacionadas aos desafios da EAD na saúde

fevereiro 27, 2020 07:08

No primeiro post apresentamos a pergunta que orientou a metodologia do estudo integrativo, e o modo como foi feita a seleção das experiências que apoiaram a categorização dos problemas e desafios no contexto educacional, mediado por tecnologias. O levantamento de caráter multidisciplinar permitiu qualificar os resultados e separá-los em três esferas que serão apresentadas a seguir. 

Categorias de análise e componentes.

Esfera pedagógica

Nesta esfera é importante perceber, em termos gerais, que as ofertas em contexto web compreendem aspectos educacionais para além da mera disponibilização de plataformas, ferramentas e conteúdos. Neste sentido, merece destaque o choque entre os padrões tradicionais de ensino e as expectativas em torno do uso das tecnologias. Em outras palavras, os desafios agrupados nos componentes desta esfera denotam vínculo com o modo de funcionamento do ensino tradicional. A esfera pedagógica é composta por questões associadas à: Cultura de Ensino e Aprendizagem e Arquitetura pedagógica com a qual, por sua vez, estão relacionados os componentes de Conteúdo, Recursos Educacionais, Mediação e Avaliação.

A Cultura de Ensino e Aprendizagem diz respeito à forma de aprender e ensinar. São elementos que se associam às crenças sobre atividades e processos tidos como “normais” ou “bons” e que têm origem nos aspectos culturais relacionados com a maneira como se lida com o conhecimento. Além dos processos formativos, tem impacto também a forma com que os atores lidam e se apropriam, ou não, das tecnologias nas práticas de ensino. Neste sentido, tanto o professor é orientado por uma série de crenças que constituem seu modo de ensinar, quanto os alunos pautam-se por uma cultura particular do aprender.

O segundo componente agrupa os problemas relacionados à arquitetura pedagógica. Este termo permite abordar a organização curricular por uma perspectiva que implica múltiplos fatores em educação à distância. Nesta organização é necessário considerar diferentes tipos de abordagens, contextos, padrões de uso da tecnologia e aprendizagem para o planejamento da proposta pedagógica. A aprendizagem autônoma precisa, neste caso, ser analisada na relação com o desenho educacional. Este desenho (chamado design instrucional) pode ser fixo, aberto ou contextualizado, podendo ter desde um caráter mais rígido, no que diz respeito à possibilidade de personalização, passando por opções mais flexíveis ou interativas associadas a automação dos processos de planejamento, personalização e textualização. 

O terceiro componente pedagógico é o Conteúdo, que envolve os problemas relacionados aos apontamentos dos materiais didáticos. E, cuja produção docente e discente específica para EAD ainda é carente no Brasil. Em seguida temos o componente dos Recursos educacionais. A eles estão associados mecanismos, ferramentas e objetos de aprendizagem capazes de mobilizar o processo de ensino. Portanto, os recursos educacionais aliam ferramentas e conteúdos para servirem de estímulo para o processo formativo. Como quinto componente têm-se a mediação, que corresponde a elementos vinculados ao suporte pedagógico e às relações de apoio e orientação, estabelecidas ao longo desse processo. Relaciona, principalmente, o trabalho dos tutores e processos de orientação para produção discente como, por exemplo, em trabalhos de conclusão de curso. Nesse sentido, a tutoria se apresenta como canal de comunicação, ofertando informação necessária para aprofundamento e compreensão do conteúdo. Por fim, a categoria da avaliação na Esfera Pedagógica vincula-se a ideia de monitoramento das ações realizadas no ambiente de aprendizagem. Com o foco muito pautado no final do processo formativo, os mecanismos avaliativos colocam-se como desafios exatamente por não darem conta da complexidade do contexto tecnológico.

Esfera técnica-operacional

A segunda esfera que categoriza as problemáticas dos processos formativos à distância está relacionada à sua forma de estruturação e operacionalização. As tecnologias de informação e comunicação (TIC) representam uma quebra de paradigmas no que tange aos meios de produção de conhecimento. Contudo, a sua adoção prática requer tanto disponibilização de equipamentos quanto o desenvolvimento de insumos que implicam em questões básicas de estrutura para informatização. A organização da estrutura precisa, por sua vez, levar em conta aspectos tecnológicos, das competências das equipes para o uso dos dispositivos, entre outras questões que requerem financiamento para sua operacionalização. Assim, estão agrupados nesta esfera, os componentes do Financiamento, da Interoperabilidade, da Infraestrutura, do Acesso / Conectividade, da Interface, dos Fatores relacionados à evasão e da Segurança da informação. 

Comecemos pela Infraestrutura, que trata da disponibilização dos equipamentos de apoio para realização das atividades e desenvolvimento dos cursos EAD. Em adição à infraestrutura surge a Interoperabilidade, que diz respeito a capacidade de operação entre dispositivos e plataformas diferentes, o que permite a interação e a troca de dados. É em virtude de tal interoperabilidade que se vê possibilitada a criação de redes a partir da convergência de plataformas e dos espaços de formação acadêmica e compartilhamento de recursos para aprendizagem. Como terceiro componente estruturante está o acesso ou conectividade. As questões relacionadas à conexão organizam as condições da internet, considerando a qualidade de rede e a capacidade de alcance. Quanto ao acesso, relaciona-se a disponibilização dos dados e formas de acessar as informações. Por certo, a problemática do financiamento é transversal aos componentes técnico-operacionais como forma de custear as estruturas e viabilizar as parcerias a partir de acordos de execução dos processos formativos para web. 

Outro componente refere-se ao modo como as informações são apresentadas e organizadas na tela dos dispositivos, associando-se a usabilidade e a ergonomia como elementos implicados na interface. Nesse contexto, é preciso considerar elementos tais como usabilidade, navegabilidade, entre outros aspectos que podem motivar a relação do usuário com o processo formativo.

Embora a evasão seja pouco abordada nas experiências analisadas no contexto da saúde, este componente condensa alguns apontamentos que explicitam os motivos de desistência e abandono, apresentados como consequência de múltiplos fatores: a dificuldade e baixo domínio com a tecnologia, dificuldades na adequação e administração do tempo do alunado e dificuldades de compreensão dos processos nos quais os cursos em EAD se inserem. 

Por fim, a segurança da informação corresponde à garantia da privacidade e segurança dos dados. Um aspecto de extrema relevância no contexto web e que apresenta desafios relacionados à credibilidade da ferramenta, recurso ou oferta.

Esfera implicações do formato de sociedade mediada por tecnologias

Nesta esfera busca-se apresentar os elementos que emergem de um processo em andamento, através do qual, torna-se necessário observar as perspectivas histórica, social e cultural na discussão do impacto das novas tecnologias das relações humanas e na própria estruturação da sociedade. Neste cenário, os processos formativos a distância apresentam-se como complexos e que demandam a relação entre múltiplas dimensões, atores e etapas de trabalho. Deste modo, optou-se por desenhar uma sistematização das questões que englobam apontamentos individuais dos sujeitos, assim como provenientes de interações entre eles. Tais elementos foram agrupados como Implicações do formato de sociedade mediada por tecnologias e apresentam apontamentos sobre: Processos formativos à distância, Letramento digital, Interação, Vida cotidiana e Precarização do trabalho docente.

Os Processos formativos à distância dizem respeito às potencialidades da EAD como uma reflexão sobre as expectativas vinculadas ao uso das tecnologias, sobretudo, ao que concerne a flexibilização do tempo e espaço para a realização de tais percursos formativos. Isso requer repensar a educação. Ou seja, requer pensar processos como um todo e não apenas a construção de novas ferramentas tecnológicas. Além disso, este componente também se relaciona aos processos de trabalho, associados à organização das ofertas à distância e a produção dos mecanismos para formação. E, neste sentido, requer a desfragmentação dos processos para a formação de equipes integradas.

O segundo componente desta esfera, associa o conceito de letramento ao uso das tecnologias digitais. O Letramento digital trata da compreensão das tecnologias para além da perspectiva instrumental, circunscrita à prática social. Os processos mediados por tecnologias precisam ser equacionados no que tange o recurso às ferramentas web como mecanismo para a aprendizagem, o que não é, de todo, meramente instrumental, devendo considerar questões sociais e culturalmente situadas.

A terceira categoria relaciona-se à Interação. Esta reúne apontamentos sobre as relações no espaço web e o fluxo de informações provenientes das interações. Na sequência, tem-se o componente da Vida cotidiana, organizando questões que perpassam a ordem familiar, a motivação pessoal e a organização do tempo e da rotina de trabalho. Por último está a Precarização do trabalho docente, geralmente atribuído ao papel de tutor. Concentrando uma alta carga de atribuições, muitas vezes próximas do exercício do professor, esta categoria levanta questões trabalhistas importantes também em relação a sobrecarga de trabalho, que ocorre pela falta de reconhecimento profissional na modalidade à distância.

Este texto é uma continuação do primeiro post ” Problemas da formação à distância na saúde: metodologia do estudo integrativo“. Veja também o post seguinte: “Os desafios das formações mediadas por tecnologias na área da saúde“.

“Este é um texto de divulgação científica que adota uma estética jornalística. Foi editado e produzido por Juliana Vargas com o objetivo de divulgar uma pesquisa acadêmica realizada por Karina Fernandes dos Santos, orientada por Francini Lube Guizardi, no âmbito do Projeto Avaliação e prospecção de tecnologias web para a Educação Permanente em Saúde”.


Mar Aberto fevereiro 27, 2020 07:08




Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *