maio 28, 2020 14:14
Valéria Vernaschi Lima
As práticas pedagógicas orientadas pela perspectiva da inclusão ativa do aprendiz no processo de construção do conhecimento supõem o favorecimento do diálogo e das interações interpessoais. As atividades organizadas em pequenos grupos são estratégicas para a promoção da fala e da escuta, em particular de ideias e valores diferentes. A riqueza da diversidade contribui para a ampliação de repertório e de interações que possam aumentar as redes de associação e os processos de diferenciação progressiva e reconciliação integrativa.
Para tanto, há que se instituir um ambiente favorável à aprendizagem, cuja construção depende do papel fundamentalmente desempenhado pelos professores. Assim, as comunidades de aprendizagem representam espaços voltados ao intercâmbio de experiências e à construção de novos saberes. Constituem-se em oportunidades para o exercício do trabalho em equipe, comunicação, criação de vínculos solidários e corresponsabilidade pelo processo ensino-aprendizagem. Ao incluirmos as emoções no processo de aprendizagem, abrimos espaço para a expressão dos sentimentos, formas de pensar o mundo e de duvidar, e por meio da interação dessas singularidades cria-se um ambiente de respeito à diversidade de ideias e valores (MOURTHÉ et al. 2018).
Dewey (2002) recomendou a utilização de cinco fases no processo de aprendizagem: (i) perplexidade frente a um problema; (ii) tentativa de interpretação; (iii) exploração e análise de componentes; (iv) refinamento e reelaboração de hipóteses; (v) aplicação na realidade.
Em relação ao papel do docente como facilitador do processo ensino-aprendizagem, Freire (1996) chama a atenção para algumas ações primordiais: (i) promoção da curiosidade e da criticidade; (ii) reconhecimento de que o processo educacional é inacabado; (iii) respeito à autonomia do especializando; (iv) responsabilidade, tolerância e bom senso; (v) integração da intenção e do gesto, comprometendo-se com a educação como forma de intervenção no mundo e de transformação da realidade. Tomando como referência o papel do facilitador no acompanhamento das trajetórias dos estudantes,
“a capacidade de lidar com a singularidade de cada contexto exige o desenvolvimento e aplicação de saberes que não são antecipáveis e que ganham sentido em ato, pelo estabelecimento de conexões entre experiências pregressas e os novos conhecimentos acessados. O desenvolvimento dessas capacidades requer, necessariamente, foco no processo, no qual os estudantes devem ser acompanhados em sua aprendizagem, recebendo feed back e apoio para construírem planos de aprendizagem em resposta às necessidades identificadas, por meio da avaliação do impacto de suas ações no contexto em que são desenvolvidas. Objetivos rígidos e pré-determinados são substituídos por processos não lineares de base construtivista em experiências constitutivas de uma prática reflexiva” (RIBEIRO et al., 2018, p. 31).
Os educandos, por sua vez, devem ter uma participação ativa nesse processo, sendo estimulados a fixar objetivos educacionais, planejar e fazer correções. Os professores e escolas nesse contexto são, então, responsáveis por favorecer e ampliar a compreensão desses sujeitos sobre a realidade e sobre o seu processo de aprender (BRANSFORD, 2007).
Segundo Gauthier & Tardif (2010), o termo construtivismo é mais recente que interacionismo e suas origens podem ser encontradas na matemática e, posteriormente, na filosofia e nas artes. As investigações da ciência cognitiva e da neurociência, nas últimas três décadas, têm aprofundando as bases tanto da concepção construtivista da educação como do cognitivismo e apontado as limitações da concepção comportamental.
Como os comportamentalistas explicavam a aprendizagem como um fenômeno que ocorre de fora para dentro, os conteúdos passaram a ser valorizados no sentido dos comportamentos observáveis e das relações entre estímulo e resposta (teoria S-R), num contexto onde a escola deveria preparar os estudantes para atuarem no mercado. A abordagem behaviorista passou a ser predominante nas iniciativas educacionais já em meados do século XX, com forte influência na educação tecnicista e profissionalizante.
A corrente cognitivista foi sendo conformada a partir de uma posição reativa ao behaviorismo e valorização dos conceitos de representação, crenças, intenções e autocontrole como elementos que, igualmente, interferem e condicionam o fenômeno da aprendizagem, para além do ambiente. Assim, os cognitivistas passaram a tratar as ciências cognitivas como um campo de conhecimento dedicado à pesquisa dos processos mentais que resultam em aprendizagem. Para o cognitivismo, o foco foi deslocado para os processos de aprendizagem ao invés dos comportamentos observáveis.
De modo abrangente, o cognitivismo é uma teoria que afirma que “a conduta humana não é redutível às respostas”, a partir de estímulos (SALVADOR, 2000, p. 241). Além dessa constatação, a afirmação da aprendizagem como um processo de transformação da “informação que provém do ambiente, interpretando-a e construindo dela uma representação simbólica” são os pontos de convergência para a elaboração de uma concepção construtivista do ensino e da aprendizagem (GAUTHIER; TARDIF, 2010, p.421).
Considerando essas especificidades do cognitivismo, a concepção construtivista passou a situar a educação escolar segundo uma abordagem mais ampla, destacando a importância do contexto, das práticas e das experiências para o desenvolvimento humano (SALVADOR, 2000, p. 37), para além do processamento de informações.
Saviani (2009) chama a atenção que embora as metodologias ativas, herdeiras do movimento escolanovista do início do século XX, não tenham tido ampla aceitação na educação obrigatória, influenciaram um certo relaxamento das práticas docentes em relação à abordagem de conteúdos. Essa consequência foi negativamente potencializada pela reduzida oferta de recursos educacionais que favorecem a busca por informações. Em função desses reducionismos, a utilização de metodologias ativas por escolas que não favorecem o acesso dos estudantes às melhores informações ou não oferecem práticas e recursos educacionais e o desenvolvimento de capacidades reflexivas e de autoaprendizagem resulta na produção de um reduzido conjunto de oportunidades de aprendizagem quando comparada àquela oferecida pelo ensino tradicional, pautado na transmissão de conteúdos.
As escolas que utilizam as metodologias no contexto da concepção interacionista de modo pleno priorizam a compreensão e o aprofundamento ao invés da extensão de conhecimentos e, nesse sentido, o processo e as capacidades crítica, reflexiva e criativa ocupam um lugar de destaque na produção de saberes. De modo oposto, as metodologias convencionais priorizam a transmissão de conteúdos e a formação de hábitos e modos de agir esperados pelo mundo do trabalho, o que enaltece os comportamentos observáveis, a repetição, a disciplina e a memorização de conhecimentos.
Considerando essas novas evidências sobre o processo ensino-aprendizagem, as Diretrizes Curriculares Nacionais Brasileiras (DCN) publicadas no início do século XXI para as carreiras da área da saúde passaram a valorizar e a orientar que os programas de graduação utilizassem metodologias que promovessem o pensamento crítico e reflexivo nos estudantes. Além dessa diretriz, os currículos orientados por competência, com mesmo considerando-se que a abordagem interdisciplinar e interprofissional representem grandes desafios para a educação do século XXI.
Mar Aberto maio 28, 2020 14:14