Resumo
A experiência da Orquestra RAPS, originalmente formada por usuários da Saúde Mental de Erechim, ilustra uma interseção potente entre arte, a saúde mental e a cidade. Este grupo musical multi-instrumentista, criado em 2021, foi fruto da união de oficinas de coral, violão e percussão. Ainda que cada vez mais populares no campo da saúde mental, os grupos formados nos CAPS ainda permanecem numa espécie de “limbo cultural”, sobretudo da perspectiva de uma leitura cara à luta antimanicomial. Esta plataforma, e sua capacidade de resolução do sempre problemático discurso da “não adesão”, traz nas suas formas uma diferenciação: minimalista, inicia um processo de “amadurecimento”.
A discursividade que impregna a materialidade formal aponta para um acontecimento importante: uma nova configuração dos sujeitos, que passam a ser vistos em outra posição, um outro lugar, no protagonismo dos palcos. Nesse novo lugar social, os efeitos apontariam para uma espécie de identidade atravessada pela arte (a identificação com o repertório, a escolha do instrumento, o uso do microfone) caracterizada pela ampliação dos espaços sociais e elevado acesso a bens culturais e, portanto, a criação de uma identidade que poderíamos chamar, para fins terapêuticos ou profanos, artistas.
A proposta dessa experiência é refletir sobre a construção de significados e a identidade artística que se forma através da música. Ao invés de ser definida por diagnósticos, a identidade dos integrantes é moldada pela participação e pelo engajamento social, ampliando o escopo das discussões sobre saúde mental e a imprescindível dimensão cultural e o direito a cidade.