fevereiro 28, 2020 08:02
No texto anterior foram apresentados os debates em torno da colaboração e da aprendizagem, seus condicionantes e a relação com a educação e as Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs). Agora, a fim de construir uma definição detalhada da aprendizagem colaborativa, propõe-se traçar três caminhos: o primeiro, pautado na perspectiva sociohistórica, com os contributos de Vygotsky e a relação com a mediação social, o segundo apoiado numa abordagem cognitivista, e o terceiro através da apresentação contextual das ferramentas tecnológicas capazes de apoiar a aprendizagem colaborativa.
A contribuição mais proeminente de Vygostky é, certamente, aquela que trata do desenvolvimento humano. Frequentemente traduzido como Zona de Desenvolvimento Proximal, trata da zona situada entre os níveis de desenvolvimento real e potencial, que designam, respectivamente, as capacidades adquiridas e as passíveis de aquisição. A esta zona, este trabalho se refere como de Desenvolvimento Iminente por entendê-lo como o lugar onde algo está em vias de acontecer, de algo potencial que está em vias de efetuar-se, ou algo virtual em vias de atualizar-se. Vygotsky entende que é nesta zona onde ocorre a mediação, que em linhas gerais possibilita a realização de ações que não fazem parte – ainda – do desenvolvimento já consumado, que o sujeito seria capaz de completar de maneira independente.
A mediação, portanto, aparece como catalizador do processo de aprendizagem. Ao compreender que a aprendizagem culturalmente organizada pressupõe, evidentemente, uma natureza social, Vygotsky aponta para a ideia de uma mediação que não se dá apenas na relação entre professor-aluno ou entre pares, já que ela acontece desde o primeiro contato dos sujeitos com a vida. Esta mediação, que não pode ser reduzida a mero suporte ou apoio, na perspectiva sociohistórica, ocorre através do uso de signos, representações que são culturalmente estabelecidas. Em suma, a aprendizagem é culturalmente organizada e mediada. O ponto fundamental para a aprendizagem é, portanto, a sociabilidade.
Embora trabalhem com foco na aprendizagem colaborativa na Web, Ferreira e Santos (2008)1 trazem contribuições únicas ao qualificar tipos de interação. Eles colocam a mediação em termos de “transação”, no sentido de transigência, como igualmente central nas atividades colaborativas e necessária para a resolução de conflitos e produção de acordos. Para eles, os tipos de interação podem ser classificados conforme o grau de transação: ao passo que a “externalização” (de opiniões, habilidades, disposições e motivações) é uma (inter)ação de baixo grau transacional, a “eliciação” (provocar um outro participante a uma explicação e elaboração conjunta) é uma ação com maior grau transacional.
O que chamam de “consenso rápido” tem maior grau que os dois primeiros tipos e consiste numa concessão que se faz para que os trabalhos possam fluir e continuar, mas sem que eles aceitem realmente o consenso, não configurando uma ressignificação. Por fim, o nível mais transacional de interação seria o “consenso orientado pelo conflito”, que conta com a intervenção do professor e envolve reflexão e construção do conhecimento, em busca de um equilíbrio frente à perturbação que o conflito gera. Um outro tipo de interação, a qual não foi atribuída explicitamente nenhum grau de transação, é a “comparação social” que garante que os participantes tenham mais cuidado com sua própria tarefa, que vai passar pelos olhares do grupo. A transação se faz necessária, explicam os autores, na medida em que o conhecimento compartilhado é o produto da aprendizagem, e que também demandaria uma coordenação mútua entre os participantes. Este produto final dialoga com as ideias de inter-animação e inter-iluminação, concepções da linguística de Bakhtin que servem para dizer que, na comunicação, o significado de uma sentença não se reduz ao que quem fala quer dizer, nem ao que quem escuta entende, mas emerge de ambas as partes. Na argumentação dialógica, os significados emergem quando perspectivas diferentes são trazidas de modo a possibilitar tal emersão.
A pergunta que complementa o título deste tópico faz referência à introdução de Dillenbourg (1999)2. Nela, o autor apresenta uma definição geral de aprendizagem colaborativa como sendo “uma situação em que duas ou mais pessoas aprendem ou tentam aprender algo juntas”. O autor identifica quatro acepções de Aprendizagem Colaborativa:
Embora o denominador comum dessas situações seja mais a colaboração do que a aprendizagem, a variedade de empregos da palavra “aprendizagem” reflete dois entendimentos diferentes da Aprendizagem Colaborativa: ora como método pedagógico e ora como processo psicológico (cognitivo). Como metodologia pedagógica, ela é prescritiva, no sentido de que se espera que se aprenda mais eficientemente ao colaborar. Como processo cognitivo, é descritiva, no sentido de que a colaboração é vista como mecanismo que causa o aprendizado.
Ele argumenta, porém, que a Aprendizagem Colaborativa não é nem uma metodologia e nem o um processo cognitivo. Assim como indivíduos não aprendem porque estão a sós, pares não aprendem porque são pares, mas sim por desempenhar certas atividades (explicação, desacordo, regulação mútua) e estas sim, ativam mecanismos cognitivos que, em última instância, são considerados individuais.
Também não é uma metodologia por conta da baixa previsibilidade das interações que podem ocorrer; ela basicamente toma forma de instruções aos sujeitos, de configuração espacial (setting), de restrições institucionais.
Neste sentido, a aprendizagem colaborativa designa uma situação em que se espera que ocorram formas particulares de interação entre pessoas. Estes modos podem ser classificados em quatro categorias: (1) configuração das condições iniciais; (2) especificação detalhada do contrato de “colaboração” com um cenário baseado em funções; (3) facilitar (ou mediar) as interações produtivas abrangendo regras de interação no meio; (4) monitoramento e regulação das interações.
A configuração das condições iniciais representa um primeiro jeito de aumentar as chances de que alguns tipos de interações ocorram. A especificação detalhada do contrato de colaboração com um cenário baseado em funções é uma abordagem que tende a transformar a situação em método, com vários exemplos disponíveis. Facilitar interações produtivas abrangendo regras de interação, por sua vez, consiste na introdução de regras que irão deliberadamente estimular a interação, a exemplo do comando “todos no grupo devem dar sua opinião”. E, monitoramento e regulação das interações é a forma com que o professor toma para si a responsabilidade pelo sucesso da Aprendizagem Colaborativa.
Além da variedade de escala e de sentidos para aprendizagem, o autor explica que os sentidos da colaboração dizem respeito aos aspectos relativos à situação, de interação ou relativos aos mecanismos (processos) cognitivos. No caso da situação, ela é dita colaborativa se os pares estão mais ou menos no mesmo nível, o que permite que a interação se dê. Deste modo, um primeiro critério para se considerar uma situação como colaborativa é a simetria; o segundo é que, geralmente, a situação requer objetivos comuns, considerando que a concorrência depende de objetivos conflitantes; ao passo que o terceiro diz da divisão de trabalho entre o grupo, que é horizontal.
Para se considerar as interações como colaborativas, entretanto, há que se considerar os critérios de interatividade, sincronicidade e negociabilidade. O primeiro não é definido pela frequência das interações, mas pelo efeito que têm sobre os processos cognitivos dos pares.
“Fazer algo juntos”, por sua vez, implica sincronicidade na comunicação, ao passo a cooperação é frequentemente associada com comunicação assíncrona. Entretanto, essa dicotomia corresponde às tecnologias subjacentes e não ao desempenho (performance) real dos sistemas comunicativos. Com isso o autor conclui que a sincronicidade é menos um parâmetro técnico do que uma regra social, um contrato meta-comunicativo em que o emissor espera que o receptor esperará por sua mensagem e irá processá-la tão logo ela for entregue. Portanto, no que tange às relações, a sincronicidade está mais relacionada à regulação mútua. Ainda, a negociabilidade diz da diferença principal entre interações colaborativas (negociativas e argumentativas) e hierárquicas (impostas com base na posição social). Contudo, a negociabilidade, para o autor, se dá em níveis, bem como o costume de negociação sobre como se dará a interação (metacomunicação).
Por último, os processamentos (mecanismos cognitivos) colaborativos são aqueles mais intensamente ativados na colaboração, não deixando de serem considerados como individuais, em última análise. Conforme mostram as pesquisas revisadas, os mecanismos/processos são:
Um último estudo a ser apresentado é o que buscou identificar o contexto de uso das ferramentas colaborativas em Ambientes Virtuais de Aprendizagem por meio de uma revisão sistemática (Kuntz et al., 2013)3. Para a parte que nos interessa, as autoras apresentam uma definição das ferramentas, seus usos, bem como explicitam as referências utilizadas nas respectivas definições.
Este é um texto de divulgação científica que adota uma estética jornalística. Foi editado e produzido por Juliana Vargas com o objetivo de divulgar uma pesquisa acadêmica realizada por Argus Tenorio Pinto de Oliveira, orientado por Francini Lube Guizardi, no âmbito do Projeto Avaliação e prospecção de tecnologias web para a Educação Permanente em Saúde.
Mar Aberto fevereiro 28, 2020 08:02